Cacos
Cicero
Há pedaços que não colam.
São vidros, sem alma.
Ou resquício de um corpo
Que se deixou vencer
Em cultura, pátria, religião,
Por intermédio de grupos
E sustentação de famílias.
Quem salva a humanidade,
Em que fragmento se fez?
O relógio em suas partes,
Hora, minuto, segundo,
Que fluem em bocados do tempo.
O calendário dividido em dias,
Somado em semanas,
Depois meses tornados ano,
Sucessivamente infindo,
Enquanto a casca-corpo se desfaz
E o conhecimento acumula
Sem resolver coisas da vida,
Valores que se transpõem
E são seguidos, quando obsoletos
As feridas se abrem,
Decorrentes de paixões
Que geram vícios,
Numa contribuição rudimentar.
Com intuito do tempo passar,
Os cacos viram pó,
Que são cacos dos cacos
E levados pelo vento,
Entrando em olhos alheios,
Fazendo lacrimejar,
Sendo mais que imagem,
Além de uma aparência,
Porque sem o diferente
Não há o igual,
O mero conceito e abstração
Que o sujeito passivo
Recebe como qualidade,
Em pedaços vividos,
Escola, casa, igreja, parentes, trabalho,
Numa razão de ser
De uma consciência em solilóquio,
Em caco, puro caco,
Espectro do que se quer ser,
E o todo vira parte
De um outro todo,
Pedaços de outros pedaços,
Porções de outras porções,
No seu caráter subjetivo,
E são somente escolhas
Impostas ao sujeito
Que pensa ter escolhido,
São pedaços que não se colam
E, às vezes, se entendem
No fragmento que são.